Da Terra do Nunca...

Acho que a melhor maneira de entender a vida em Assis é imaginar um globinho daqueles de natal, com alguma coisa presa com neve falsa dentro de uma bolha de vidro. Pois bem, não existe maneira melhor para representar a vida em Assis: uma bolha! 

Cada um assume seu papel na bolha e por algum tempo, uns mais e outros menos, vive de acordo com o que acredita ser o melhor jeito de fazer aquilo. Os problemas são sempre os mesmos, sempre, e com o tempo eles se acomodam, se encaixam, e nem precisam mais que alguém os chame de problemas, passam a fazer parte das pessoas, passam a definir como elas vão agir e pensar dentro da bolha, depois de mais algum tempo as pessoas começam a se moldar junto com esses não-mais-problemas. Em alguns momentos de lucidez, algumas pessoas percebem que esses problemas foram criados só para conseguir suportar a vida dentro da bolha de vidro. Quando isso acontece, é possível que essa pessoa tente sair e enfrentar novos problemas, no chamado "mundo real", mas a chance de dar de cara com problemas de verdade é bem grande e quando isso acontece a realidade, muito rapidamente, faz com que se entenda que são reais agora e lembra que os anteriores eram mais fáceis e até mesmo bem agradáveis, e todas as outras pessoas ao seu redor já sabem o papel que lhes cabe diante de cada situação, mas fora da bolha não. Sem conseguir enfrentar qualquer coisa do lado de fora, o jeito é voltar pra dentro dela e se sentir aquecido e em casa.

Uma das coisas mais curiosas é a relação com o ser de fora. Algumas pessoas tem esses momentos de lucidez e quando saem em busca de algo fora da bolha acabam conhecendo "estrangeiros" e a relação com eles é bem peculiar. Durante algum tempo isso parece legal, é como se alguém tivesse balançando o globinho de natal pra ver a neve se espalhar, mas quando a neve cai toda de volta no chão a pessoa percebe que aquela relação não tem como dar certo ou algum problema muito estranho surge e todas as dificuldades do mundo começam a criar paredes entre essas pessoas e aos poucos fecha a ligação com o mundo exterior, assim a pessoa está de volta ao conforto de sempre.

Depois de algum tempo vivendo aqui, o apelido Terra do Nunca passa a fazer todo sentido. Todos se julgam muito adultos e no fundo todos somos crianças, mais no fundo ainda todos queremos ser o Peter Pan, quando na verdade somos todos os garotos perdidos. Somos grandes entre os nossos, somos grandes crianças que não querem crescer na Terra do Nunca. Como toda criança que acredita já ser grande, não conseguimos viver sem dramatizar tudo e até mesmo o que aparenta mais sensatez, em algum momento, mesmo que secretamente, vai criar seu drama pessoal, vai encenar sua tragédia grega e voltar para o problema criado para enfrentar a realidade na bolha e assim está formado o ciclo de vida em Assis.

Uma hora a Terra do Nunca entende que você já não precisa mais ficar aqui e que a hora de sair da zona de conforto chegou. O desespero começa a bater, enfrentar a realidade, depois de tanto tempo, não parece algo agradável. Como é possível alguém viver sem almoçar com os amigos no restaurante universitário ou como não ir em alguma festa no Cartola ou como andar pela rua e não reconhecer as pessoas a sua volta, como tudo isso pode ser chamado de vida? Pois bem, aos poucos as pessoas saem. A adaptação não é fácil, alguns ficam com raiva da Terra do Nunca e esquecem o caminho de volta, outros não conseguem abandonar a criança que, como disse Manuel Bandeira, "[...] todos os anos na véspera de Natal/ Pensa em por os seus chinelinhos atrás da porta." e de tempos em tempos voltam para Assis pra encontrar o menino perdido que deixou aqui e conseguir respirar. Mas uma coisa todos concordam, mesmo depois de muitos e muitos anos é impossível esquecer a Dom Antonio, esquecer as vacas que atravessam a avenida todos os dias, os milhões de gatos, o desespero de passar uma sexta a noite sem nada pra fazer em Assis, o clima que passa por todas as estações em menos de 24 horas, enfim, a Terra do Nunca, mesmo depois de superada, jamais apaga suas marcas e a melhor/pior parte de toda sua vida vai sempre dar saudade.















Comentários

ART disse…
Garoto, você escreve muito bem.

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